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Santos Dumont: vida e morte do genial brasileiro!!!

 dumont-novaPassados 85 anos de seu trágico último ato, em 23 de julho de 1932, durante a Revolução Constitucionalista, Alberto Santos Dumont continua a ser para a maioria dos brasileiros o maior herói científico que o país já esteve. Muitos conhecem a sua saga, contada e recontada nos livros escolares. Mas pouca gente sabe realmente quem foi o personagem que se aventurou a desbravar os céus. Que tipo de homem se escondia atrás dos longos bigodes, das vestes impecáveis e do inseparável chapéu panamá?

O icônico ’14 Bis’ / Wikimedia Commons

As polêmicas que cercam a vida do inventor, comumente omitidas do grande público, são reveladas nas biografias disponíveis em diversas línguas. Especulam, principalmente, sobre a sexualidade, a fama de mau perdedor e a doença que o levou ao suicídio. Mas esses são apenas pequenos tópicos de uma vida tão rica em detalhes quanto a trajetória que levou o homem a construir máquinas voadoras. Santos Dumont voou muito além do que contam os livros de colégio.

Excentricidade

Na virada dos séculos 19 e 20, a sociedade mudava radicalmente com inovações como a luz elétrica, o automóvel e o telefone. Em meio ao turbilhão de novidades, um intrépido brasileiro agitava a sociedade parisiense com recepções nada comuns: ao serem levados pelo mordomo à sala de jantar, os convidados deparavam com mesas e cadeiras de mais de dois metros de altura. Entre os presentes estavam a princesa Isabel, filha de D.Pedro II, último imperador brasileiro, o joalheiro Louis Cartier, o arquiteto Gustave Eiffel, projetista da torre que leva seu nome, alguns representantes da família Rothschild, a imperatriz Eugênia, viúva reclusa de Napoleão III, alguns duques, barões e outros membros da alta sociedade européia. Todos achavam divertido subir numa escada portátil para participar de mais um dos famosos “jantares aéreos”, como ficaram conhecidos os eventos promovidos por Santos Dumont em seu apartamento na Champs-Elysées.

Questionado sobre o motivo desses jantares, o anfitrião sempre respondia: “É para que todos imaginem como seria a vida numa máquina voadora”. Alguns convidados riam. Afinal, em 1890, as máquinas voadoras ainda não existiam. Santos Dumont, em tom mais sério, retrucava que em pouco tempo elas dominariam os céus. “Estarão em todas as partes”, dizia.

As declarações do brasileiro soavam devaneios de um desajustado, mas tinham uma explicação: sua infância fora cercada por obras de Júlio Verne, nas quais se destacava a imagem de um céu povoado de máquinas voadoras. Em 1901, quando realizou a ousada circunavegação da Torre Eiffel, recebeu diversos telegramas de congratulações e medalhas de louvor e coragem enviadas por diferentes chefes de Estado. Mas duas correspondências emocionaram-no em especial: a primeira foi a carta do próprio Júlio Verne; a outra, enviada por Pedro, amigo da época de criança: “Você lembra, meu caro Alberto, do tempo em que brincávamos de perguntar ‘passarinho voa?’, ‘urubu voa?’, ‘homem voa?’, e você sempre levantava o dedo afirmando que o homem voava? A recordação dessa época me veio ao espírito no dia em que chegou ao Rio de Janeiro a notícia do seu triunfo. O homem voa, meu caro! Você tinha razão em levantar o dedo. E não tinha mesmo que pagar a prenda”.

A brincadeira à qual se referia o colega de infância era uma das preferidas de Santos Dumont e dos irmãos na fazenda onde nasceu, em 20 de julho de 1873, em Minas Gerais. Os pais do inventor, Henrique Dumont e Francisca de Paula Santos, foram os primeiros brasileiros a viver no distrito de João Aires, na minúscula cidade de Cabangu – hoje rebatizada como Santos Dumont.

Aos 6 anos, Alberto mudou-se com a família para as terras férteis de São Paulo, onde seu pai, apelidado de “rei do café” pela imprensa, comprou uma propriedade tão extensa que foi possível construir nela uma estrada de ferro com 96 quilômetros de extensão. Nessa época, além de mergulhar nos livros de ficção, Santos Dumont tinha como passatempo predileto dirigir as enormes locomotivas, além de consertar todo o maquinário usado na produção do café. Henrique apreciava a fascinação do sexto de seus oito filhos e o caçula entre os três homens, mas não compreendia por que o menino não se interessava por outras atividades masculinas, como caçar ou mesmo brigar com os irmãos.

A vida em Paris

O mundo de Santos Dumont ganhou novas dimensões quando ele tinha 18 anos. Seu pai sofrera uma queda de cavalo e acabou hemiplégico aos 60 anos. Sem chances de cura no Brasil, vendeu os negócios da família por 6 milhões de dólares (uma fortuna hoje, e ainda maior naquele tempo) e partiu para a Europa com a esposa e o jovem Alberto. A esperança de cura estava em Paris, onde Louis Pasteur revolucionava a medicina com suas vacinas.

As descobertas na capital francesa encantaram o jovem brasileiro, em especial os motores de combustão interna, que ele jamais havia visto. Em visita à fábrica da Peugeot, comprou um dos dois únicos automóveis produzidos pela marca naquele ano de 1891. Poucos meses depois, após seu pai perceber que a medicina europeia não lhe restauraria a saúde, voltou com a família para o Brasil, trazendo a bordo do navio o estranho veículo de apenas 3,5 cv (capaz de atingir 16 quilômetros por hora). Ao dirigir a novidade nas ruas de São Paulo, Santos Dumont não só espantou os pedestres, mas também ficou conhecido como a primeira pessoa a circular de automóvel em toda a América do Sul.

O estranho veiculo que chamou a atenção das pessoas nas ruas de São paulo / Domínio publico

Sem esperanças de cura, Henrique teve uma longa conversa com o filho. Disse-lhe que não precisaria se preocupar em ganhar dinheiro e adiantou-lhe a herança de meio milhão de dólares. Depois, instruiu-o a voltar a Paris, onde parecia ter se adaptado muito bem. Santos Dumont seguiu o conselho. Chegou à Cidade Luz no verão de 1892, e seu pai morreu em agosto. Tímido para frequentar qualquer universidade, recorreu a um professor particular, que desenvolveu um intenso programa de estudos englobando física, química, engenharia mecânica e elétrica. Ocasionalmente, visitava os primos na Inglaterra, onde aproveitava para assistir às aulas na Universidade de Bristol. Como era aluno ouvinte, não corria o risco de ser interrogado em público.

O estilo Dumont

Somente após cinco anos como “cidadão francês”, o brasileiro iniciou suas experiências com balões. Naquela época, a aeronáutica funcionava como um clube de cavalheiros, e Santos Dumont foi imediatamente aceito por sua origem abastada. Em pouco tempo, seus inventos ganharam espaço na imprensa local e internacional, e o brasileiro tornou-se coqueluche na alta sociedade europeia. Foi talvez o homem mais prestigiado e um dos mais noticiados em todo o mundo no início do século 20. E sua imagem elegante estampava caixas de charutos, fósforos e até de aparelhos de jantares. Estilistas prosperaram com réplicas de seu chapéu e dos colarinhos altos e duros, que ele mesmo desenhara de modo a alongar seu pescoço e disfarçar a baixa estatura (cerca de 1,60 metro). Outros artifícios com essa finalidade eram os ternos sempre escuros com listras verticais, os sapatos com saltos e o tradicional chapéu panamá.


A vida amorosa

Todos os relatos sobre o pioneiro da aviação põem à prova sua masculinidade e o interesse pelo sexo oposto. Reportagens da época mostram que a sexualidade do aviador era um prato cheio para os editoriais. Além dos dedos repletos de anéis e o cabelo repartido ao meio – exclusividades femininas naqueles tempos –, Santos Dumont circulava por Paris sobre uma bicicleta não masculina e achava natural tricotar e bordar em seu apartamento no Elysées Palace Hotel.

Ocasionalmente, os tabloides publicavam notas sobre o suposto noivado de Santos Dumont com alguma jovem, mas ele rapidamente negava, enviando respostas irritadas à imprensa. Dizia preferir que as pessoas pensassem ser ele viúvo a estar noivo. Em sua escrivaninha, o aviador mantinha a fotografia da bela cubana Aida de Acosta, a quem ensinou a comandar um de seus balões – aos 19 anos, ela tornou-se a primeira mulher do mundo a voar. Algumas biografias sugerem um caso amoroso entre os dois, apesar de eles nunca terem ficado sozinhos. Após a morte do brasileiro, Aida confidenciou que ele era muito tímido para entabular uma conversa. Suas únicas palavras foram as instruções para ela pilotar o balão e, mesmo essas, ele dissera de modo acanhado.

 Apesar dos recursos para parecer mais alto, os jornais lhe deram o apelido carinhoso de “petit Santos”, o que muito o incomodava, embora continuasse a ditar moda: fabricantes de brinquedos produziam réplicas em miniatura de seus balões, que também inspiravam os bolos feitos pelos confeiteiros, sempre em forma de charuto e com as cores da bandeira brasileira. Em outra ocasião, reclamou com o amigo Louis Cartier, cujo avô fundara a Maison Cartier havia meio século, que era muito perigoso tirar as mãos dos comandos em pleno voo e levá-las ao relógio de bolso. Cartier criou para Santos Dumont um dos primeiros relógios de pulso de uso civil, que imediatamente tornou-se acessório indispensável para parisienses mais sofisticados.

Além do estilo copiado por homens e mulheres, o aviador invariavelmente ganhava as manchetes devido ao seu temperamento difícil. Meteu-se em inúmeras brigas com o Aeroclube de Paris, quase sempre por não concordar com as regras dos concursos. Santos Dumont não enxergava a aviação como atividade científica. Para ele, voar era um esporte, um desafio entre homens para ver quem vencia. E seu espírito excessivamente competitivo não lhe permitia sair derrotado. “Não me importo com o dinheiro das competições”, dizia ele, que doava aos pobres os valores conquistados em campeonatos. “Mas o prêmio atrai um número maior de rivais para que eu possa mostrar minha coragem. Essa é a importância da competição.”

Os últimos dias

Depois do histórico voo com o 14 Bis, em 1906, Santos Dumont entrou num período de depressão. O sucesso com os aeroplanos parecia não mais animá-lo. Ele acusava os amigos de o terem abandonado, lamuriava-se de seu físico diminuto – fato que o ajudou na aeronáutica – e dizia a todos que estava sem dinheiro. Ninguém acreditava, mas, para animá-lo, aconselhavam-no a patentear seus inventos. Proposta imediatamente recusada. Eram seus presentes para a humanidade, dizia. “Prefiro terminar num asilo de pobres a cobrar o privilégio de copiar meus experimentos aéreos.”➽


Teorias conspiratórias

O balão dirigível ‘No 7’ / Domínio publico

➽ Santos Dumont jamais voou com seus dirigíveis em suas inúmeras visitas aos Estados Unidos. Em 1904, estava tudo certo para ele voar na Feira Mundial de St. Louis mas, poucas semanas antes do evento, o balão de seu dirigível No 7 apareceu misteriosamente rasgado. Havia tempo para o conserto e os organizadores se propuseram a cobrir os custos. Mas Santos Dumont afirmou não confiar na mão-de-obra da América e preferiu voltar à França. Indignados, os americanos publicaram uma versão de que o próprio brasileiro maquinara a destruição de seu balão.

➽ A argumentação dos americanos baseava-se numa controvertida teoria: o governo japonês teria prometido dar um milhão de dólares a Santos Dumont caso ele, após demonstrar a eficiência do No 7, vencendo o prêmio em St. Louis, concedesse essa aeronave e mais outras duas para que o exército do Japão atacasse os russos. Só que um agente de Moscou também teria oferecido 200 mil dólares para o aviador romper o contrato com os japoneses. Inseguro se conseguiria vencer em St. Louis, Santos Dumont teria aceitado a proposta russa e cortado seu balão em pedaços. O brasileiro declarou que sua dignidade não lhe permitia comentar suspeita tão ignóbil.


➽ Em 4 de janeiro de 1910, sofreu um acidente sério com o Demoiselle, seu avião de uso pessoal. Foi a última vez que pilotou uma aeronave. Sua saúde piorou. Passou a ter visão dupla e fortes crises de vertigem. Alguns médicos diagnosticaram que Santos Dumont, aos 36 anos, sofria de esclerose múltipla. Outros atribuíram os sintomas a problemas psíquicos.

O famoso ‘Demoiselle’ / Wikimedia Commons

Em 1914, quando a Alemanha declarou guerra à França, o brasileiro decidiu colocar-se a serviço de seu país adotivo. Mas os militares franceses chegaram até ele primeiro. Os vizinhos o haviam denunciado, pois pensavam que o tímido estrangeiro que observava o mar com um telescópio de fabricação alemã era um espião do kaiser. A polícia revirou sua casa e, após verificar o equívoco, pediu desculpas. Mas Santos Dumont não perdoou a suspeita de ser um traidor. Numa explosão de raiva, jogou todos seus documentos aeronáuticos, os desenhos e as cartas de congratulações no fogo.

O aviador passou a maior parte dos anos da guerra no Brasil. Projetou em Petrópolis (RJ) uma casa de arquitetura bastante avançada para a época, chamada de “Encantada”. Mas Santos Dumont nunca parou por muito tempo num só lugar. Revezava-se entre Petrópolis e clínicas de repouso na França e na Suíça. Num de seus retornos ao Brasil, em 1928, um hidroavião batizado com seu nome explodiu enquanto voava para saudar a sua chegada na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. As 12 pessoas a bordo morreram no acidente, visto de perto por Santos Dumont, que observava tudo de pé no convés.

O episódio só agravou a saúde mental do aviador. Oito anos antes, ele já havia ajudado os coveiros a cavar a própria sepultura, insistindo em remover ele mesmo toda a sujeira. Depois, transferiu os restos mortais de seus pais para o túmulo, deixando um espaço vago entre eles para seu próprio cadáver.

Em 1931, um sobrinho chamado Jorge retirou-o de uma casa de repouso na Europa e trouxe-o de volta ao Brasil. No ano seguinte, irrompeu a Revolução Constitucionalista, que colocou paulistas e as tropas federais em campos opostos. Os médicos sugeriram que Santos Dumont deixasse a cidade de São Paulo e fosse morar num lugar mais tranquilo. Jorge o levou para um hotel no Guarujá. Todas as manhãs, acordava mais cedo e escondia os jornais na tentativa de ocultar do tio doente as notícias do conflito. No dia 23 de julho de 1932, os dois estavam no saguão quando escutaram um avião bombardear um alvo próximo. O aviador mandou o sobrinho levar um recado e tomou o elevador de volta ao quarto. Testemunhas dizem que ainda o ouviram falar: “Nunca pensei que minha invenção fosse causar derramamento de sangue entre irmãos”.

Jorge, que sempre temia deixar o tio sozinho, voltou para o quarto e o encontrou pendurado com o pescoço amarrado a duas gravatas presas ao gancho da porta do banheiro. Santos Dumont, aos 59 anos de idade, estava morto.


Coração preservado

O suicídio de Santos Dumont foi ocultado do conhecimento público durante décadas – afinal, o ato de tirar a própria vida não caía bem para um herói nacional. Agindo sob ordens do governo, o médico legista forjou o atestado de óbito, declarando que o aviador havia morrido devido a uma parada cardíaca. O corpo do inventor foi embalsamado para que pudesse ser levado em segurança de São Paulo para o funeral no Rio de Janeiro – o que demorou seis meses, até que acabassem os conflitos entre paulistas e as tropas federais.

O médico responsável por embalsamar o cadáver, Walther Haberfield, removeu e preservou o coração de Santos Dumont sem que ninguém soubesse. Doze anos mais tarde, entrou em contato com a família do aviador e ofereceu o órgão. Eles não o quiseram e o médico acabou doando o coração para o governo, com a condição de que fosse colocado num local público. Foi preservado dentro de uma esfera banhada a ouro, exposto no pequeno Museu da Força Aérea no Campo dos Afonsos, nos arredores do Rio de Janeiro.

Uma curiosidade quase nunca comentada: a mãe de Santos Dumont também cometeu suicídio em Portugal, onde morava junto das filhas. As circunstâncias são desconhecidas, já que a família fez parecer que ela morrera de causas naturais.